quarta-feira, setembro 22, 2004

Estrada, coração e alma.

Quando o coração perde o rumo, o corpo fica perdido, vagando pelo mundo, pousando de lugar em lugar, transportando uma alma inconsciente, sem vida, sem alma.
Quando se perde a razão do amor, a vida se torna incômoda e estranha demais.
Mas é a vida empurrando para frente, é a alma querendo renascer, é o corpo correndo feito louco, é o coração sufocado, querendo oxigênio.
A alma, passageira do corpo, precisa de distração, quer lugares novos, quer provar o gosto da vida bem longe das paredes que já viram tanto choro e tanta solidão.

Faço as malas todos os dias, e cada dia escolho algo em mim para levar e para deixar.
Planejo, cada dia, a hora de rasgar os planos e tomar o rumo, as encruzilhadas em que permitirei hesitar e o caminho que pretendo inovar.
Se aqui o coração se oprime, melhor curá-lo bem longe, para evitar que o sonho se dissolva e que se desacredite no amor.
Não, o amor não, o amor não pode morrer. Ele precisa de irrealidade e sonho, poesia e música, não de dor.
É melhor fugir então,é melhor que as lágrimas caiam na poeira,para que fiquem sempre para trás, é melhor que o pensamento, assim distante, ganhe novas formas.
No fim do caminho, pode ser que esteja o meu sorriso.
Portanto, peço ao tempo que passe bem depressa, pois a estrada tem pressa de mim e eu a quero.
Já vou!

domingo, julho 11, 2004

O intruso

Rua Guicurus. Centro do comércio atacadista de armarinhos de Belo Horizonte. Eixo quente dos puteiros, dos camelôs, dos trambiqueiros, dos cinemas pornô e do crack.
Putas diurnas de 15 reais, camelôs-traficantes, pessoas comuns, gigolôs, comerciantes, trabalhadores em busca de sexo. Um espetáculo esplêndido.
Um homem bêbado desafiava um golpista enquanto o intruso subia a calçada. Seu passo incerto e sem vontade, seu rosto esquálido com uma pequena cicatriz, talvez queda, talvez soco.
Ele era alheio, uma criatura semi-oculta que quase não se via. Parecia sentir-se expulso de tudo, até do bar, cuja porta lhe causou desejo e receio.
Talvez quisesse pedra, talvez nem quisesse mais nada.
Parou, olhou para o chão, não vi o que era. Olhou, olhou, abaixou-se, apanhou um “toco” de cigarro ainda aceso, quase no filtro. Um resto quase morto lhe pareceu um trago suculento.
Sentou-se lenta e debilmente encostando-se na parede, olhou para cima e me viu.
Olhou-me nos olhos, dilacerou-me a alma e, de súbito, me trouxe de volta ao mundo. Saí do transe como quem volta de um sonho estranho e então percebi-me existindo.
Eu, sendo alguém, não sabia o que fazer.
Naquele lapso, não houve nada que nos separasse. Nenhum preconceito, nenhuma aversão, nenhuma raiva, nenhuma dor, só o estranhamento.
Foi então que vi que estávamos na mesma calçada, no mesmo universo e na órbita do mesmo instante, ainda que fôssemos absolutamente estranhos.
Seu olhar não me pedia, não julgava, não temia, só olhava com assustado interesse. O meu, quis fugir.
O desconforto que senti me foi ainda mais estranho. Não sabia quem era eu, não sabia o que lhe revelar da minha imagem, não sabia o que lhe dizer do meu mundo e, na verdade, meu mundo já nem existia. Não era burguês, nem mau, nem bom, nem certo nem errado. Não conseguia condenar nem aceitar sua presença, quis ser indiferente. Desejei a aconchegante proteção da minha concepção social mesquinha, da minha pseudo-antropologia urbana.Não havia mais tempo agora, eu deveria agir.
Onde está meu mundo quando preciso? Onde estão meus sinais de casta e classe? O que eu fiz com minha armadura de indiferença e minha visão seletiva, onde está minha compaixão anestésica?
Não houve remédio, o desconcerto idiotizou meus gestos. Tornei-me fraco. Desviei os olhos como quem pede desculpas pela indiscrição. Fiquei inerte, impassível e absolutamente idiota.
Com o olhar, ele jogou por terra todas as minhas reflexões fugazes e recusou minha culpa neurótica. A humanidade estava sob nossas peles com a mesma intensidade e nenhum de nós sabia como lidar com ela. Ele e sua miséria, eu e minha riqueza.
Inútil e desnecessário, saí da sua vida. Ele não, ele ficou sentado em todos os cantos do meu pensamento, com seus olhos apáticos e curiosos, procurando alguém que eu também não via, procurando por mim.
Havia alguém em mim que se incomodava profundamente com a miséria alheia, mas quem ele era?
Até então meu pensamento se contentava em elaborar discursos e construir ideais, mas o que eu havia realizado? Nunca distribuí sopa, nunca fiz doações para campanhas do agasalho, nunca doei um quilo de alimento não perecível, nunca tomei nenhum destes entorpecentes de culpa.
Nunca me dispus a ouvir estas pessoas que sofrem, a fazer algo por elas, a transformar verbo em gesto. Sequer conseguia olhá-las nos olhos.
A verdade é uma ressaca pesada. Sou hipócrita e meu discurso é podre e oco. Fujo da realidade.

Agora, revendo a cena, compreendo mais cruamente a minha natureza e vejo uma outra dimensão dos fatos. Todo o meu inquietamento social, todo o meu desassossego humano, toda a minha culpa mesquinha teriam se acalmado se tivesse simplesmente lhe comprado um cigarro.

sábado, julho 03, 2004

Biscoitos de São João

Meu pessoal começou a chegar para a formatura.
A primeira foi a minha mãe, claro.
Na bagagem, além das quitandas de sempre,vieram encomendas muito especiais: biscoitos de são joão, bolo de mandioca e puba.
Não se tratam de especiarias feitas por encomenda ou compradas na rústica feira de sábado. São ainda mais raros. São feitos por aquelas famílias simples para receber as visitas e os parentes que sempre voltam nessa véspera do ano para a melhor das festas: a "fogueira".
Estas guloseimas de polvilho e mandioca vêm daquelas casas em que a generosidade supera a pobreza e a hospitalidade não se envergonha de ser humilde. São biscoitos assados com calor humano, temperados com amor, e bolos dosados com tradição e a sabedoria de cada descendência.
O especial nisso é que foram ganhados. Me foram ofertados como prova de gratidão por terem recebido lembranças de minha formatura e com os votos de boa sorte e sucesso.
Quatro "matulas", uma de cada casa, embrulhados com a simplicidade o cuidado peculiares àquelas mulheres.
Acho que nunca mereci uma consideração tão grande e nunca tive uma prova tão significativa de tudo o que me é mais caro naquele povo.
Estranho, tenho comido estas coisas desde criança e nunca reparei no seu paladar. Elas têm gosto de respeito, têm sabor de generosidade, cheiro de aconchego e caem muito bem com café.
Estou comendo com lágrimas nos olhos, e não vou desperdiçar nenhum farelo. Deus permita que eu esteja a altura de retribuir a nobreza deste gesto.

sábado, junho 19, 2004

Trovão abafado, coração humano.

Lá vou eu, em busca paz.
As montanhas me convidam para longe da cidade.
Há barulho ainda, muito distante e, por isso mesmo, assustador. É a cidade com seu trovoar abafado, algo como uma colméia gigante ou uma enorme máquina escavando à distância, um barulho constante e estático. Uma colônia que se esparrama lenta e ameaçadoramente.
Ouvindo aquilo em meio à paz das montanhas percebi o medo que natureza deve sentir com nossa presença.
Somos praga.
Dou mais um gole na garrafa de plástico, viro as costas e sigo adiante...
Se projetassem o tempo em alta velocidade, talvez sobre meus rastros, num futuro próximo, haverá asfalto, postes, casas, carros passando.
Estranho, mesmo sabendo disso, não consigo parar de andar.

sábado, junho 05, 2004

Formatura.

É só uma graduação, eu sei.É só um bacharelato. Estou a títulos e títulos de distância dos que decidem, dos mais importantes, dos monumentais catedráticos, das cadeiras grandes de madeira rara. Daqueles que têm autoridade formal para falar o que pensam.

Não me assusta a prova de prática III, não me amedronta qualquer outra nota que ainda não recebi e nem tampouco me intimido com a defesa de monografia, os doutores e mestres da banca, ou o temido exame de ordem. Nada disso.

Sequer me assustam os livros caros e os festejados nomes das prateleiras, não não me assustam. Não temo ser confrontado com tantas verdades impalpáveis de tantas teorias fantásticas.

Também não me afetam a vaidade e a mesquinheza dos velhos senhores, dos guardiães das velhas verdades. Não me desanimo com o desprezo daqueles que não acreditam na pureza dos ideais. Não, poderosos senhores, não os temo mais.

Nada disso me abala porque descobri que é preciso transcender o jogo do mundo, é preciso enxergar a verdade humana que quase morre de tão sufocada pela abstração social.

No caminho,quase me esqueci. As fraquezas e as batalhas perdidas quase me afastaram da rota, mas algo sempre me diz que é preciso seguir em frente, mergulhar no erro e aprender. É preciso humildade para ser forte e então me levanto antes do fim da contagem.

Assumo a responsabilidade pelo que escrevi e pelo que falei, porque é preciso ser honesto consigo e com o mundo. Posso errar e falhar, mas minha essência persevera, só ela corrige o erro, só ela redireciona o caminho.

Cheguei até aqui e sei que ainda não fui longe demais, mas daqui mesmo, da beira da linha mando um recado ao mundo: digam a todos que chego sério e certo e que trago a garra de Xangô e a proteção dos anjos e santos. Digam que estou armado e que não temo a sombra ou morte dos vales do mundo. Digam por quantos combates passei e de quantas quedas me levantei, para que vejam que não desisto fácil. Digam que me orgulho de cada cicatriz e em minha alma vibra a vitória. Porque, simplesmente porque eu creio nela. Não há mares ou vales que possam me deter quando me guia a alma sonhadora. Para isso tenho minha armadura diária, para isso estou aprendendo a lutar.

Quero que saibam que comigo vêm mil exércitos, pois não me esqueci daqueles que vi derrotados pelo mundo, daqueles massacrados pela injustiça. Quero que saibam que carrego todos os que amo, e como bom guerreiro me coloco a seu serviço e se minha espada for pequena e solitária, ainda assim, será guerreira e destemida.

Construo minha vida e sinto que tenho algo agora. Não é diploma, não será uma carteira, não é um título. É o que vivi, o que passei, o que senti e o que aprendi.

Nunca fiz nada que não fosse com toda a minha alma, não é agora que será diferente.

Ainda que tenha conhecido as decepções, a miséria e o lado mais cru dessa artificialidade social, ainda assim, acho que posso mudar algo, afinal, já mudei algo em mim.

Faltam alguns dias ainda, mas tenho uma certeza muito sólida do que vem pela frente. Falta pouco, conto as horas. Subirei em um palco pomposo, em vestes pomposas e não me importa que seja o último ou que não me filmem. Serei eu ali. Com a certeza plena do que cabe a mim e do que sou capaz.

Do alto daquele palco olharei nos olhos do meu pai e ele saberá que é ele mesmo ali em cima, que é a sua vida multiplicada em meus atos, que é a sua alma continuando em mim. Olharei nos olhos da minha mãe e ela sentirá seu próprio coração batendo.

É assim, como quem reza, como um guerreiro que jura sua espada, é dessa forma que pretendo me formar, é dessa forma que pretendo construir a minha vida.

"Seja a mudança que você deseja ver no mundo (Mahatma Ghandi)"
"Nenhum caminho por caminho, nenhum limite por limite (Bruce Lee)"

E isso é tudo, obrigado, amigos.

segunda-feira, maio 17, 2004

Foi assim que se deu.
Surgiu do nada, sem ter nem porquê. Como uma flor noturna, simplesmente se abriu.
Ninguém viu a hora, o minuto ou o segundo em que aquilo tudo começou, mas eles sentiram. Ah! sentiram.
Uns dizem que o coração suspirou, mas não é verdade. Ele parou. Parou mesmo, paradinho, sequer ousou gemer e quando gemeu, gritou: tudum tudum tudum... e quem ouviu não escutou outra coisa.
Dava para ver o sangue latejando, a pele em brasa, as artérias desesperadas encharcando tudo sem irrigar absolutamente nada, nem mesmo o cérebro.Emburreceram, ambos.
Os únicos comandos, se alguém conseguiu perceber eram ordens químicas sem-sentido despejando hormônios e mais hormônios no organismo já destemperado.
Foi assim que ficaram, os dois, paralisados e bobos, sentindo a pele sanguínea, o frio na barriga, o anestésico sutil daquele olhar cruzado, daquele timbre de voz, daquela simetria absurda.
Bum! apaixonaram-se.
Pareceu até que já nasceram apaixonados. Melhor ainda, se apaixonaram em outra vida e reencontraram-se ali, naquela sala estranha, cercados de pessoas estranhas falando uma língua estranha. Estrangeiros do mundo. Amantes.
Homem, mulher, corpos, sexos: eram aquilo, a origem da espécie.
Mas eram, ainda, distantes. As palavras certas, as convenções, os códigos todos.
Uma palavra maquinada demorou a sair e sua trepidação denotou a verdade. Já sabiam.
Se quiseram intensamente e ninguém soube de nada, a não ser que tenham sentido a respiração vacilante, o coração disparado, o olhar curioso, os poros abertos e os pêlos eriçados.
A não ser que tenham percebido a alma tórrida e a paixão linfática.

terça-feira, maio 11, 2004

Guaraná em pó

Pizza do lado do mouse.
Vinho no lençol,
saca rolhas de ressaca
na sala.
e os olhos dela tão frios...
tem papel prá tudo quanto é canto,
encanto que se quebra nas horas,
palavra atrás de palavra,
fosfato atrás de fosfato
e o cursor na ainda segue piscando...
Os os olhos dela tão frios...
o rosto tão sério e tão certo,
a palavra tão curta e tão grossa,
a lembrança da raiva instantânea,
meia palavra, um terço de gesto
e meu humor do desencanto.
(just one word to say: f...)
Agora só esse ruído
e aquela luzinha verde...
O travesseiro ao pé da cama,
o lençol manchado caído,
jesus sofrendo na cruz
o computador grunhindo
incansável
e os olhos dela ali,
no meio daquele meu quarto
em um canto qualquer da memória,
perdidos no meio do caos,
é rosto de ganhar dinheiro,
sem sorriso nem simpatia,
é rosto que fecha questão,
são olhos de quem não vive.
O travesseiro embolado na cama
um canto, um drama
o cursor piscando,
A coca-cola ainda espumando.
e a cuca ali espiando,
a cuca que fica na estante,
na quinta prateleira,
abaixo do quincas borba,
ao lado do gato de botas,
dentro do Monteiro Lobato,
da capa desbeiçada e velha,
e os olhos dela tão frios...
da cuca...
mas não tenho mais medo,
meus olhos vermelhos me irritam,
passou o efeito,
foda-se, vou dormir,
amanhã eu termino .
essa droga de monografia.

segunda-feira, abril 26, 2004

Lithium Ion

Para os celulares e computadores, íons lítio.
Máquinas fotográficas, gravadores, câmeras: Níkel-cádmio.
Telefones, energia elétrica.
Energia, água.
Papel, ávores.

Já repararam o quanto a memória da humanidade é vulnerável?

Somos uma civilização-detalhe no universo,
auto-predatória, paradoxal, gananciosa,
mas fadada ao esquecimento.


Não somos o máximo?
Hehe!

quinta-feira, abril 15, 2004

POESIA PARA VENDER EM SINAL

Você está em volta de mim e não quero te deixar passar.

Quero te pedir um cigarro,
perguntar as horas,
indicar uma vaga para o seu carro,
ainda que eu não fume,
tenha um relógio e,
efetivamente ache que seria melhor você deixar o carro em casa.

Eu só quero conversar.

Quero traduzir teu verbo e filtrar suas idéias,
entendê-las válidas, mas discordar,
ou simplesmente
não me manifestar.
Quero conhecer seus problemas e apesar de oferecer toda ajuda do mundo,
talvez não resolvê-los, mas mostrar-me solidário.
Quero não te incomodar quando perceber que você não está bem.

Só tenho vontade de te ouvir.

Quero te mostrar que estou vivo e que não sou indiferente a você,
quero respeitar seu caminho e abrir passagem, quando ele for de encontro ao meu.
Quero reconhecer suas virtudes saber meus defeitos e enfrentar nossa condição
tão demasiadamente humana.
Quero igualar você ao rico e ao pobre,
ao belo e ao feio, ao sujo e ao limpo.
ao magistrado e ao mendigo,
ao prefeito e ao lixeiro.
Quero que você me veja como gente,

Não quero nenhuma divisa entre nós.

Quero te falar do que importa,
comer torta,
quero falar da vidinha,
do nosso time,
do calor, da chuva, da falta de dinheiro,
ainda que não saiba nada do que estou falando,

Eu só quero te falar.
Eu só quero existir,
só quero viver,
só quero ser...
humano.


É isso aí, divulguem a paz, meus amigos, de qualquer maneira.

segunda-feira, abril 12, 2004

Fazenda

São tantas as cenas que assaltam meus sentidos, e tão impressionantes que sinto obstinação em assegurar que a memória registre cada detalhe e cada cena.
Um bosque ao entardecer, com passaros anunciando a fuga do sol, guardando uma paz mágica a uma temperatura perfeita. Três cavalos correndo pelo pasto, um deles dominando os demais, resfolegando, batendo os cascos e erguendo a cabeça, impondo o medo de forma encantadora. Uma gata caçando mariposas, libertando toda a selvageria e malícia do espírito felino. Formigas labutando severamente. Um besouro desnorteado em busca de luz, voando suicida em direção ao fogo.
São tantos os quadros e tão complexos que temo ser infinita a sua descrição, e de tão infinita, inútil.
Acima de tudo isso, um céu como não se vê na cidade, e nele, indícios de uma infinitude ainda maior. Um destempero de astros, sóis, galáxias. Os constantes movimentos da luz, raiz absurda da nossa maior ilusão: o tempo.
Pensar em tudo isso é inquietante, quando não desesperador.
Por isso me sento no bosque, contemplo os cavalos, a gata, as formigas, o besouro. Nestas horas só me concentro em uma coisa: esquecer do tempo e deixar que a vida passe mais suavemente por mima. Permitir, por um só instante, que o infinito seja isso.

segunda-feira, abril 05, 2004

amor próprio

Não falo dez línguas, não estudo teologia, não salvo baleias, não trabalho em uma instituição de caridade, não jogo futebol, não trabalho na bolsa. Não fiquei rico aos vinte e cinco, não salvei uma criança dos escombros do WTC, não fui campeão brasileiro de Ginástica Olímpica, não sou o primeiro da turma, mas uma coisa amo em mim:

Eu detesto mac donalds!!!

quinta-feira, janeiro 15, 2004

Quando virão aqueles dias?

Meu pensamento é cíclico, viciado.
A grande tortura da minha adolescência é o que hoje ainda me incomoda: Deus.
Nunca fui capaz de assimilar completamente os dogmas de religião. Não me interessava religião, não me interessavam rituais, não me interessavam quaisquer adornos daquela palavra tão estranha, tão misteriosa, tão carregada de sentido: DEUS.
Afinal, o que é Deus?
Será esta força que nos põe em contato uns com os outros? esta indiscutível troca de energias que acontece na convivência humana?
Desconfio que Deus seja isso: amor etéreo. Se assim for, o que fizemos em sociedade senão condicionar o amor, relativizar a fraternidade e a igualdade? enfim, será que estamos matando Deus?




Informo a todos que estou impossibilitado de acessar o blog. Obrigado aos meus leitores, agradeço a atenção e as visitas e informo que meu e-mail é uridutra@yahoo.com, caso queiram entrar em contato.
Descubram Deus.

sexta-feira, janeiro 09, 2004

Terra seca, sementes velhas.

Toda noite tinha um sonho, o mesmo sonho.
Batia léguas até desandar num emaranhado de pano, linha e pau. Uma rede estranha trançada com linhão e fita vermelha, agarrado em taliscas de um limoeiro seco. Um pau espinhento, como que agourando qualquer coisa em volta.
Era só ele ali, só ele se prendia à rede, aos espinhos, ao pau e à terra.
Só restara ele, é verdade. Dos sabidos e dos bestas, das meninas e dos machos, dos fortes e dos fracos, dos doze filhos de seu Sebastião e dona Flora, dos que morreram matado e nascido, dos sete que restaram, somente ele. Prá cuidar das terras, plantar maniva e caiar a casa. Prá pegar, na cidade, a "aposentação" dos velhos, carrear os bodes prá feira, cuidar da farinha e fumar na porta da casa, vendo o sol se ir numa tarde amena, depois de ter castigado a terra dura e acochado as raízes das plantas.
Sabia que o sonho sempe começava com ele saindo em busca do Jequitinhonha, légua e meia da casinha velha, com vara, anzol e balde. O céu então ficava cinza da cor dos lajedos e no nem-tarde-nem-noite de chuva, sua visão se turvava, era então que o vulto aparecia de longe e, se tornava o único ponto visível, o único rumo lógico. Eram os panos balançando no vento de chuva, era a teia de pano-de-saco-de-farinha embandeirando a galhada seca no pleno sertão sedento.
Era ele preso ali, era ele compreendendo que sua vida ia embora, seus braços e pernas atrelados ao mal-agouro daquela planta morta e má. Sentia que eram suas as raízes encravadas na terra e que era ele próprio quem estava cheio de espinhos e o mesmo ele quem mau-olhava e prendia qualquer esperança de ser linha, e trançar qualquer destino, de ser pano e revoar com a ventania.