terça-feira, abril 18, 2006

Ego trip

Viajando pelas veredas de mim mesmo encontrei, guardadas, certas coisas das quais sempre acreditei ter me livrado, por não gostar. Eram lembranças ruins, em que sofro.
E elas estavam guardadas em mim.
Descobri, na verdade, que nunca quisera perdê-las. Estranho apego ao insucesso, estranho culto ao desconforto.
Acomodei-as em memórias sempre visíveis e, por mais insólito que isso possa parecer, fiz, com elas, um ambiente para o qual fujo sempre que algo me assusta.
É como um quarto de misérias que construo quando deveria destruir.
Tentei ignorá-las, rir-me delas e lançá-las fora de vez, mas falhei no propósito. À medida que me desfazia, colhia-as de volta com o desespero de quem cata papéis ao vento.
Notei que não era involuntário, havia vontade minha ali, originada não sei de onde.
Surpreso com minha própria natureza, parei de tentar interferir e fiquei só contemplando toda a dimensão do enorme paradoxo que faz de mim o estranho ser que sou.

Estranho, ser esse ser. Ser esse ser humano estranho.
Humano, estranho ser.
Estranho ser humano, esse ser humano estranho que...
amo ser.

sexta-feira, abril 14, 2006

dimensão de nós

Onde estivemos?
perdidos, ambos, num mesmo olhar.
Fugimos,
e fixamos morada num ponto onde todas as dimensões foram uma única coisa:
verdade.
A verdade de nossos corpos e almas, a verdade humana do amor e da carne,
aquela coisa única que só sentimos ali.

Sim, estivemos lá,
naquela concretude de tempo,
naquela incerteza de espaço,
naquela perfeição de tudo,
na nossa alcova.

No ponto onde estivemos, estivemos a sós e completos.
Tu e eu,
fartos,
plenos,
gratos,
completos de amor.

quarta-feira, abril 05, 2006

A Cidade

A cidade ferve, a cidade pulsa, a cidade grita, corre, palpita e conjuga uma infinidade imensa de verbos.
A urbe é viva.
Estranho este fenômeno de interação. A cidade devora a vida dos que vivem por ela e cresce, ganhando corpo e movimento, ganhando verbos e mais verbos no seu agir.
Nós, os humanos, temos este hábito: criamos coisas e nos tornamos parte delas.
Todos os dias, acordamos e encarnamos nosso papel no teatro urbano, alimentamos a inquietação coletiva que já nos é natural.
Somos todos uma única figura massiva no cotidiano. A cidade é exatamente isso, a soma dos indivíduos, dos sons, dos movimentos. A fusão das várias energias despendidas em uma única vida: a cidade.
Eis aí um bom paradoxo: A cidade é humana ou o homem é que é urbano?
O fato é que, indubitavelmente, ela “É”, e se apresenta como um gigantesco “Ser” que acorda cedo, tem pressa, trabalha, almoça, se afoba no trânsito, perde a paciência no “rush” e, passado o stress, deixa cair, vertiginosamente, o metabolismo, tornando-se plácida e familiar entre uma “novela-das-sete” e um Jornal Nacional.
Há quem diga também, que ela se enamora da lua e se prostitui nas bocas de noite. Que pode ser vista em bares, embriagada, buscando sedução e fazendo coisas proibidas. Que é ébria, boêmia, nostálgica e festiva nas madrugadas.

Pessoalmente, prefiro vê-la em um trechinho projetado minha janela. Nestas horas em que divido o céu com ela, contemplo-a maternal e cúmplice e ela me olha como em um desabafo, dizendo estar cansada e querer falar pouco, mas que aceita uma bebida, um sorriso e um afago antes de dormir.