segunda-feira, maio 17, 2004

Foi assim que se deu.
Surgiu do nada, sem ter nem porquê. Como uma flor noturna, simplesmente se abriu.
Ninguém viu a hora, o minuto ou o segundo em que aquilo tudo começou, mas eles sentiram. Ah! sentiram.
Uns dizem que o coração suspirou, mas não é verdade. Ele parou. Parou mesmo, paradinho, sequer ousou gemer e quando gemeu, gritou: tudum tudum tudum... e quem ouviu não escutou outra coisa.
Dava para ver o sangue latejando, a pele em brasa, as artérias desesperadas encharcando tudo sem irrigar absolutamente nada, nem mesmo o cérebro.Emburreceram, ambos.
Os únicos comandos, se alguém conseguiu perceber eram ordens químicas sem-sentido despejando hormônios e mais hormônios no organismo já destemperado.
Foi assim que ficaram, os dois, paralisados e bobos, sentindo a pele sanguínea, o frio na barriga, o anestésico sutil daquele olhar cruzado, daquele timbre de voz, daquela simetria absurda.
Bum! apaixonaram-se.
Pareceu até que já nasceram apaixonados. Melhor ainda, se apaixonaram em outra vida e reencontraram-se ali, naquela sala estranha, cercados de pessoas estranhas falando uma língua estranha. Estrangeiros do mundo. Amantes.
Homem, mulher, corpos, sexos: eram aquilo, a origem da espécie.
Mas eram, ainda, distantes. As palavras certas, as convenções, os códigos todos.
Uma palavra maquinada demorou a sair e sua trepidação denotou a verdade. Já sabiam.
Se quiseram intensamente e ninguém soube de nada, a não ser que tenham sentido a respiração vacilante, o coração disparado, o olhar curioso, os poros abertos e os pêlos eriçados.
A não ser que tenham percebido a alma tórrida e a paixão linfática.

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