sexta-feira, dezembro 05, 2003

Duas crônicas em dez minutos

"Bilhões e Bilhões"

Uma correntenza infindável de anônimos. Bilhões e bilhões.
A humanidade é numérica, coletiva, impalpável. Os indivíduos adormecem no leito da multidão.
Cada olhar um pensamento, centenas de frases soltas, vidas, dor, alegria, tudo absorvido pela enorme maré humana, tudo transformado em um ruído único e constante, tudo convertido em decibéis e misturado ao som das máquinas, motor de carro, compactadeira, freio de ônibus.
Cada alma uma vida, mas toda vida alimentando a  necessidade coletiva de fluir.
Até que algo aconteça.
De repente, bum! Acontece.
freios, gritos, pânico! sacolas no chão, sangue no asfalto.
Eis que da angústia, renascem os seres humanos: Puros, sensáveis à  dor. E então brotam os indivíduos, da necessidade de compartilhar a vida.
E o coletivo ganha outra dimensão.

Adoro andar pelo centro da cidade.

Pele

Levanvantou-se do nada, tão decidido que empurrou a cadeira de rodinhas que saiu girando por uns bons centímetros.
Baixou a cabeça mas não o olhar. Não se sentia mais um idiota naquele terno. Era ele e mais nada.
Caminhou até a mesa dela e cada passo era uma libertação. Seus olhos faiscavam e eram pura insensatez.
Ela ergueu a cabeça, esboçou o sorriso usual e já ia voltar ao trabalho quando percebeu que ele estava vinha para si e estava diferente, avançava em sua direção. Sem desvios, sem paradas, como se não existisse mais ninguém ali. O que seria? o que ele queria?
Passou pela mesa dela, com os olhos fixos nos seus degustou por meio segundo aquele ohar de dúvida. Fez sinal com a mão para que ela o seguisse.
Olhou para os lados buscando entender, não havia explicação, não havia motivos. Todos trabalhavam e não havia testemunhas para aquela aberração da rotina. Ficou inerte por mais meio segundo, mas a urgente curiosidade a acordou do choque.
Quando virou-se, ele já avançava pela sala. Uma mão no bolso da calça, a outra, livre, preparava-se para empurrar a porta da salinha de reuniões. Estranho, ele parecia muito à  vontade. Ela naquela situação totalmente esatranha, e ele tranquilo.
Apertou o passo e, enfim, entrou na sala. Ele encostado na parede, de braços cruzados e olhos voltados para ela, sério.
Pensou em perguntar alguma coisa para normalizar a situação, mas ele não permitiu:
_Feche a porta!
_Como assim? e tentou refazer o ar de dúvida para desfazer o medo da situação. No fundo, já sabia o que ele queria. E seu olhar era tão firme, tão forte. Tentou dissimular.
Avançou na direção dela, enfiou as mãos nos bolsos e fez cara de ironia para confrontar a sua dissimulação.
Não conseguia de nenhum modo recuperar a compostura, não sabia qual "tipo"deveria fazer naquele momento, sentiu-se totalmente transparente e por isso irritou-se.
_Eu disse para você fechar essa porta e deixar lá fora esse seu joguinho.
Agora desconcertou-se totalmente, e, embora aquele momento requeresse indignação, não conseguiu esboçar qualquer palavra:
_Mas, mas... o quê?
_Todo gesto seu é uma dança para seduzir meus olhos, toda frase sua é uma deixa para eu me perder ou me torturar, todo movimento de sua boca imita um beijo e você sabe que penso em beijá-la. Isso tudo é quase imperceptível... mas eu vejo.
O que você nâo quer que eu veja é que isso é de propósito para a sua diversão, mas eu já sei.
Só não consigo saber o que você quer, mas aqui estou, a meu modo, sem dissimulaçãos, dizendo o que eu quero... e eu quero você.
Empalideceu de vez, o raciocínio quase parou. Que droga! o idiota conseguiu desconcertá-la de verdade.
Não havia saí­da, não havia testemunhas, não havia como resgatar o controle da situação.
Virou-se de uma vez, decidida a sair ou gritar, mas... parou. Os olhos estavam tão certos, tão instintivos, provocantes...
Virou-se novamente para ele e, suavemente, fechou a porta, aproveitou este movimento para resgatar o auto-controle.
Antes de cerrar os olhos, sentiu o braço dele envolver sua cintura... e a pele fritando.

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