sábado, novembro 24, 2007

Meu engano

Quando o telefone toca por volta das oito e meia, pelas raras vezes em que estive em casa neste horário eu já sabia: era engano. Uma voz distante perguntaria se eu era um fulano que não era, e, aos gritos, no telefone público barulhento, levaria alguns minutos para entender que ligou na cidade errada. Eu o despacharia com uma certa impaciencia condescendente e abreviaria, ao máximo, a conversa.
Mas meus pais me visitavam, e foi pai quem atendeu o telefonema das oito e meia.
Seu esforço em compreender a situação chegou a me impacientar no início, mas antes que eu pudesse alertá-lo, ele já havia iniciado um diálogo que mudaria minha forma de ver as coisas. Meu pai atendeu àquele telefonema como as pessoas simples e antigas recebiam os viajantes, acolhendo-os, matando-lhes a sede e oferecendo o que de melhor podiam oferecer no pouso. Para ele, que viveu os tempos em que um telefonema era algo raro e significativo, era muito importante que chegasse ao destino certo.
Pai tratou o desconhecido como trata seus próprios amigos, com a mesma atenção, com o mesmo companheirismo. Aquele telefonema enganado poderia ser de um pai para um filho. Poderia representar a notícia de um evento importante, como o nascimento de uma criança, a morte de alguém ou a venda de uma fazenda. Poderia representar um dinheiro que havia sido enviado ou recebido, uma urgência sanada, uma seca duradoura, uma bênção.
Enquanto auxiliava o homem a decifrar os DDD's, sem dar-se conta disso, meu pai me ensinava uma das maiores lições de humildade que já recebi. Aquela simplicidade expunha minha indiferença e o egocentrismo que a cidade grande escreveu em mim. Eu perdi a espontaneidade. Aquela paciência que me faltava talvez fosse o elo que encaixasse alguma dose de vida nessa rotina individualista, crua e solitária.
Mais que isso, era meu pai. Aquele homem simples e tão espontaneamente bom...meu pai.
Ali por perto, sem que o mundo dele se alterasse, o meu passava por uma reviravolta, mas as lágrimas abafadas que caíam eram de orgulho e amor, gratidão do aluno pela bela lição recebida.
Aos setenta anos, meu pai me surpreende como quando eu era criança e ele o herói. Só que a criança cresceu e o herói ficou mais real.
Indo para a fazenda, meu velho herói abrindo a porteira.

4 comentários:

Anônimo disse...

Oi querido!
Sinto uma tremenda falta das suas postagens, sabia?
Espero que a inspiração esteja canalizada em outras fontes rs
beijão.

Uri disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Kika disse...

Não consegui ver o vídeo!!
Gostei do texto...
O comentário daí de cima era meu, mas o pc tava logado com seu blog aí tive que remover.
inté

Anônimo disse...

Vira e mexe, volto aqui para buscar novas inspirações, para ler algo novo.
Restou apenas poeira...
Vamos sacudir um pouco?
Abraços